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Foto do escritorSusana Paixão Rodrigues

João e Teresa, como tudo começou... (Completo)



João e Teresa, os protagonistas do livro "Até Amanhã" iniciaram a sua jornada a dois ainda na faculdade... Lê neste post a história exclusiva de como este casal começou a namorar!


Photo by Nataliya Vaitkevich: https://www.pexels.com/photo/close-up-photo-of-a-couple-smiling-4942801/





O tremor nervoso da minha perna notava-se mais do que o suor que sabia estar a acumular-se nas minhas axilas.


Impossível, mais vale desistir.


Quase de certeza que me ia rejeitar, talvez rir-se, ou pior, mandar-me dar uma volta.

Afinal, ela é linda.

Hoje, não consigo tirar os meus olhos dela. Vestida naquelas calças de ganga justas e t-shirt dos Guns n’ Roses que lhe deixa o umbigo à mostra quando põe os braços no ar… E quando sorri… quando sorri todos os outros tornam-se personagens de fundo e os berros dos fãs tresloucados reduzidos a um burburinho... onde ela sobressai clara e vibrantemente.

Mas mais que linda, ela é de uma outra liga.


Nunca conheci ninguém como ela.


Quantas pessoas dão a volta ao mundo, pós escola secundária, com uma organização não governamental para ajudar crianças? Quantas pessoas têm um propósito tão claro na vida e lutam por ele? Quantas pessoas derramam generosidade como ela?


Linda… extraordinária… bondosa… Não haviam adjetivos suficientes para dar à Teresa. Em comparação a mim, ela…


-João!


O Carlos trancou o meu pescoço entre antebraço e o ombro dele. O gesto brusco fazendo a cerveja que eu tinha na mão derramar-se e cair diretamente nos meus ténis.


-A sério?! Pensa duas vezes antes de fazer estas cenas!


Sentia-me irritado, mas nunca pensei que a minha voz subisse tanto que até a Teresa me ouvira entre os gritos dos groupies. Teresa voltou-se para trás, e, em vez de me ignorar ou fazer uma careta, encolheu os ombros e sorriu. Os meus lábios esticaram num sorriso, mas as bochechas ardiam.


Que vergonha.


-Meu, gostas da Teresa?! - O Carlos deu-me uma palmada no ombro - Esquece lá isso, ela é a caloira mais gira da faculdade.


- E depois? – estudei os meus ténis ensopados, desgostoso, - Isso não me impede de tentar.


- Ya, tentar e falhar!


Numa gargalhada exagerada, Carlos continuou a bater-me no ombro. Não sabia falar sem tocar nos outros, e hoje, eu não tinha paciência para as manias dele.


-Falaste com a Raquel?


Perguntei antes de beber o resto da cerveja. Sem espuma, morta e lisa.


-Sobre o quê? A festa hoje à noite?


- Sim.


-Ah… agora já percebi porque é que queres ir à festa da Raquel… - debruçando-se em mim, praticamente deitado nas minhas costas, Carlos sussurrou aos meus ouvidos -Mas ouvi dizer que o Francisco também vai lá estar.


Apertei o copo de plástico praticamente vazio, até que este estalou e se partiu na minha mão. A cerveja escorria-me pelos dedos, deixando-os pegajosos.


Atualmente, o Francisco já podia ser considerado um stalker. Onde quer que Teresa fosse, lá estava o Francisco. Ele não percebia o que terminar uma relação significava. No início do ano, ele e Teresa eram inseparáveis, mas esse passado e a persistência dele nos últimos tempos não eram suficiente para conquistá-la de volta. Não quando ele a traiu com outra.


-A Teresa não vai voltar para ele.


-Tens a certeza? A minha prima disse-me que se calhar volta a dar molho.


Atirei o copo de plástico para o chão e fui-me embora. Estava farto de palhaços como o Carlos e o Francisco. Queria lá saber se a Raquel não gostava de mim porque não a deixei copiar no exame e me recusei a ajudá-la no projeto final, haviam outras maneiras de saber onde era a festa e a que horas.





Quando voltei a virar-me para trás, ele já se tinha ido embora. Estávamos sempre desencontrados. Às vezes pensava que ele não gostava de mim, mas noutras não tinha tanta certeza. Especialmente quando calhava trocarmos olhares. Parecia que ele conseguia sempre encontrar-me, mesmo numa multidão de gente.


Apesar disso, raramente falava comigo. Certo, não éramos da mesma turma, mas tínhamos um grupo de amigos em comum. Encontrarmo-nos não era incomum, até trocámos os números de telefone. Mas, mesmo assim, o menino preferido dos professores custava a iniciar conversa comigo.


Por isso quando ele me olha daquela maneira…sinto-me confusa.


-Teresa, a Raquel já te respondeu à mensagem?



A Carolina falou-me ao ouvido, mas ouvi-a muito mal com o som da banda a tocar.

- Não… se calhar é melhor telefonar. - Olhei em volta, à procura de um sítio com menos confusão - Vou até ali às bancadas de comida. Ficas bem aqui sozinha?


- Ela não está sozinha!


De repente, o primo da Raquel abraçou-nos a ambas, quase me fazendo perder o equilíbrio.


-Tens ouvidos de cão, tu! - a Carolina berrou na cara do Carlos, -Sabes a que horas é que a Raquel chega?


- Népia. Dá-me aí um trago da tua cerveja Carol.


Mais do que os abraços indesejados, detestava o cheiro cerrado a tabaco que vivia nas roupas do Carlos.


-Ficas bem com ele?


A Carolina revirou os olhos, resignando-se à situação e eu aproveitei para sair dali.


Deslizei pela onda de gente, afastando o mais delicadamente possível aqueles que me rejeitavam passagem. Mas a banda não me queria facilitar a vida, e, precisamente quando estava entalada entre dois grupos, tocaram a música mais popular que tinham. Em êxtase, os grupos pulavam simultaneamente, na descida, os seus pés caiam como martelos prontos para me pregar ao chão. Sempre que me desviava de uma pisadela, um peito suado chocava contra mim. Sentia-me como uma bola de ping pong, atirada de um lado para o outro sem descanso.


Do nada, uma mão forte e segura apertou-me o pulso, puxando-me para fora da prisão de corpos humanos.


-Deixem passar! Não veem que ela não está bem?!


Procurei a cara de quem falara e vislumbrei-o.


João…


Protegendo-me agora com o seu corpo, João levou-me consigo para longe da confusão.


-Obrigada…


Não falou, focado apenas em nos afastar dali, cortando caminho pela multidão agitada.


O meu coração apertou.


Encontras-me sempre…




O corpo de Teresa estava praticamente colado ao meu, o calor da sua pele radiando em mim, e os seus grandes olhos de pestanas longas… Não podia olhar para ela. Tinha de me distrair. Concentrar-me num objetivo.


Temos de sair daqui.


O meu coração batia a mil. O sangue nas minhas veias galopava, deixando um formigueiro no seu rastro. Como é que o Francisco podia ter traído alguém como a Teresa?!


É doido. Só pode.


Quase no fim do relvado, traguei em seco. Praticamente em segurança, não fazia sentido continuar com Teresa entre os meus braços.


Tenho mesmo de criar coragem e dizer-lhe como me sinto…


À medida que nos aproximávamos da zona das bancadas de comida e bebidas, o número de pessoas reduzia e, a maioria, simplesmente abanava a cabeça ao ritmo da música.


-Bem…- libertei-a do meu abraço - Já chegamos. Querias vir até aqui, certo?

Teresa sorriu e senti o calor a subir à minha face.

-Sim… obrigada! Se não fosses tu acho que me tinha tornado numa panqueca!


Ri-me.


- Eu gosto de panquecas.

Os olhos de Teresa aumentaram ao ouvir o meu comentário.

E é por causa destas e outras que prefiro ficar calado.

-Eu também gosto de panquecas, mas prefiro comê-las.


Teresa riu-se baixinho.


Teresa és tão…


-Teresa!


Uma voz vagamente familiar chamou à distância. Sondei pelo idiota que arruinou o nosso momento e não me surpreendi nada quando vi quem era.


-Francisco. - O sorriso desapareceu do rosto de Teresa - Não te disse para não falares mais comigo?


Raquel… estás tão enganada.


Premi os lábios um contra o outro, numa tentativa de controlar a minha vontade emergente de sorrir.


-Precisas de falar assim comigo?


Ah! Que piada, ficou chateado.


Examinei o Francisco. Ele não era um tipo mal parecido e agora, que o estava a ver tão de perto, entendia porque é que tantas raparigas suspiravam ao avistá-lo. Ele devia ir ao ginásio diariamente, porque os bíceps e peitorais dele quase que estouravam a camisa de manga curta que vestia.


-Falar como? - Teresa endireitou-se e cruzou os braços - Não me respeitas. Pedi-te algo e não o cumpres. Ao menos, depois de tudo o que passámos, podias ter alguma consideração por mim e respeitar os meus desejos.


O Francisco olhou para mim de alto abaixo. Eu não era um homem baixo, até se podia dizer que era mais alto do que o português médio, mas o bisonte que era o Francisco deixava-me desconfortável. Se tivéssemos de lutar, penso que perderia. E a ideia não me agradava nada.


-Podemos conversar noutro sítio? Sozinhos?


O Francisco agarrou na mão da Teresa e, prontamente, ela retirou a sua mão da dele. O trejeito do rosto dela claramente expressava repreensão e nojo.


-Acho que ela não quer falar contigo e, muito menos, seguir-te para algum lado.

Desprendendo o seu olhar fixo em Teresa, Francisco virou-se para mim, a sua postura aberta e quadrada centrada na minha pessoa.


Pronto, lá vamos nós…


-E tu és quem…? - o Francisco deu um passo na minha direção - Faz-nos um favor e baza.


-Recuso-me a deixar a Teresa aqui sozinha contigo.


As narinas de Francisco expandiram. Deu um passo na minha direção, um passo tão largo que a cabeça dele ficou a um palmo da minha. Estava tão próximo que conseguia cheirar o seu bafo a álcool tão bem que sabia o que ele tinha bebido.


-Francisco, pára!


Teresa via-se pálida, os seus olhos arregalados assemelhavam-se aos de um veado prestes a ser atropelado por um carro.

Não era a primeira vez que isto acontecia. Teresa sabia o que aí vinha.

E agora, eu também.


Se calhar tenho uma chance… se enfiar os dedos nos olhos dele? Ou um murro no nariz? Talvez um punho cerrado vindo de baixo e direito ao queixo faça o truque.


Mas antes de poder elaborar algum plano, Francisco agarrou-me pelo colarinho e a cintura das calças e elevou-me acima da sua cabeça, como se eu não fosse mais do que um boneco de trapos. Num instante, arremessou-me com toda a força de encontro ao relvado. Cai de costas contra o chão e um esgar escapou-se da minha boca. A dor alastrava-se pelas costas e, por momentos, senti que não conseguia respirar.


Alguém, um desconhecido, ajudou-me a levantar, e, sentado, vi a Teresa agarrada ao braço de Francisco, entre lágrimas, propondo-lhe conversarem em privado.


Não precisas… não precisas de me proteger, Teresa.


-É só isso? Com esse tamanho todo e bates como uma menina.


Até falar me doía, mas pôs-me de pé e falei o mais alto que consegui.


Uma nova fúria tomou conta de Francisco. Pegando no braço de Teresa, desagarrou-a dele e marchou apressadamente até mim. Observei Teresa, ansiosamente a escrever algo no telemóvel. As pessoas à nossa volta mantiveram-se imóveis, provavelmente atentas à cena de ação a desenrolar-se à sua frente tal filme de cinema. Mas, algumas, notei, correram para longe de nós. E, uma ou duas, falavam freneticamente ao telemóvel, telefonando por auxílio.


-Estás mesmo a pedi-las.


Francisco lançou o seu braço na minha direção e, miraculosamente, fintei este. Um golpe de sorte, seguido de um tropeço nos meus próprios pés. Cai na relva, tornando-me na presa ideal para o Francisco, que, tal como se eu fosse uma formiga, levantou a perna para me pisar debaixo do seu peso. Com reflexos que não sabia ter, rebolei para o lado, mesmo a tempo de me salvar.


-Covarde!


Melhor covarde do que hospitalizado.


Tentei levantar-me, mas cambaleei quando a dor de costas me reclamou.

Acelerando o passo, Francisco levantou a perna mais uma vez, pronto para me atingir. Fechei os olhos e bloqueei a cara com os braços. Mas, o pontapé nunca chegou.


Um Francisco frenético recitou todos os palavrões que conhecia, preso por dois seguranças, um em cada lado.


-João, estás bem?!


Teresa ajoelhou-se ao meu lado, os seus olhos vermelhos.


-Estou bem.


Fisicamente.


-Mal posso acreditar que o Francisco te atacou! - A voz de Teresa ameaçava novas lágrimas. - E tudo por causa de mim. Desculpa, João…


-A culpa não é tua. - Tentei sorrir - E tu, estás bem?


As faces de Teresa tingiram-se de rosa e num tom baixinho respondeu-me que sim.




Felizmente há sempre seguranças e polícia nos festivais. Não sabia se tinha sido eu ou outra pessoa que os alertara com sucesso, mas isso não importava. O que importava é que o João estava bem. Se lhe tivesse acontecido alguma coisa por causa do Francisco, por minha causa… não me iria conseguir perdoar.


-Há um posto de primeiros socorros. Queres ir até lá? Acho que sei onde é.


O João baixou a cabeça e suspirou.

-Quero é ir para casa.


-Ok… posso levar-te.


Da maneira que ele tinha caído, de certeza que tinha dado um jeito às costas. Ele precisava de recuperar e descansar. E eu precisava de me sentir bem de alguma maneira, de eliminar este sentimento de culpa que me assombrava.


-Obrigado, mas não é preciso.


-Tens a certeza?


-Tenho.


- Ao menos queres que vá buscar um saco de gelo?


-Teresa, a sério. Não é preciso.


Ele levantou-se e retirou o telemóvel do bolso, após alguns toques, alguém atendeu a chamada.


-Carlos, podes vir até à zona dos cachorros quentes? -uma pausa - Estás ocupado? Com a Carolina? Melhor, venham os dois.


Levantei-me também e sacudi as calças. Duas nódoas verdes manchavam a zona dos joelhos.


Ótimo… se calhar também devia voltar para casa. Este dia é só uma coisa a seguir à outra.


Ali, os dois, especados nas traseiras da carrinha dos cachorros quentes, nenhum de nós falou. Mordisquei o lábio e pontapeei umas pedrinhas vizinhas aos meus pés. O João devia estar furioso. E qualquer possibilidade em termos algo, provavelmente terminara hoje. Ninguém queria namorar com uma rapariga cujo brutamontes do ex a perseguia e fazia questão de dar uma sova a todos os rapazes que se aproximavam dela.


-Meu, andaste à sova com o Francisco?!


A voz excitada de Carlos despertou-me dos meus pensamentos. Atrás de si, estava a Carolina, a respirar aceleradamente.


-As notícias correm rápido.


-Já estava a vir para aqui quando ligaste. O Zeca viu parte da cena e contou-me, vim logo a correr. Dar-te uma ajuda.


- Para a próxima corre mais depressa.


Riram-se os dois, mas eu não achei piada nenhuma.


-Bem, agora que já tens companhia, vou-me embora.


O sorriso de João não alcançou os seus olhos, tristes e cansados. Queria perguntar-lhe se ia à festa hoje à noite, mas depois de tudo o que aconteceu era uma pergunta estúpida e insensível.


-Não vens hoje à noite?


Mas é para perguntas dessas que temos o Carlos…


-Não. Bebe por mim.


Os dois chocaram os punhos.


-Sempre. Ainda bem que não vens então, mais babes para mim.


Com um breve aceno, o João deu as costas e partiu.




Guiar até casa não foi doloroso. O que mais me custou foi entrar e sair do carro. As costas doíam a cada movimento, especialmente quando me dobrava.


Hoje foi um dos piores dias da minha vida. Humilhado à frente de toda a gente e pior, à frente de Teresa. Agora esperava esperançosamente que ninguém tivesse filmado e publicado na internet o que aconteceu.


Ao menos hoje foi o último dia de faculdade… semana que vem, começam as férias.


Era tempo suficiente, esperava eu, para que quem quer que tivesse assistido ao espetáculo se esquecesse dele.


A água quente do duche rolava agradavelmente pelo meu corpo abaixo. As costas latejavam, mas depois de um duche e uma soneca devia sentir-me melhor.

Perguntava-me se Teresa gostava de homens como o Francisco. Mais ursos do que outra coisa. Eu sempre gostei de desporto, correr o meu preferido, e, por causa disso, estava em forma.


Mas, não estou inchado como o Francisco.


Estudei os meus músculos no espelho. Notava-se que fazia exercício. Os músculos nos braços ressaltavam um pouco, os peitorais estavam definidos e os abdominais…


Quatro estão realçados.... Aposto que o Francisco tem oito ou mais.


Joguei a toalha para o chão e nem me dei ao trabalho de vestir uns boxers. O Carlos e o Zeca só deviam voltar amanhã e o Patinho já tinha regressado ao Algarve.


Deitei-me na cama e comecei a fazer abdominais. A dor nas costas motivava-me a persistir e, a cada alcance dos meus cotovelos nos joelhos elevados, expirava a dor por entre dentes cerrados. O banho depressa perdeu a utilidade, o meu corpo fervente suava a cada novo dobrar do estômago.


Ainda assim, não desisti. Tinha em mente cem abdominais, nada anormal, mas hoje esta quantia somava-se exagerada. Talvez até ridícula.


Quanto mais a dor de costas aumentava, mais me forçava em cumprir o exercício. Um a um, com pausas pelo meio, completei os cem abdominais. Deixei-me afundar no colchão. O suor sentia-se refrescante na minha pele e a dor era uma prova.


Eu também posso ser forte.


O telemóvel começou a tocar e num ápice rolei para fora da cama para atender a chamada.


Será que é a Teresa?


Nunca me tinha telefonado antes, só tínhamos trocado uma mensagem aqui, outra ali, mas depois do que aconteceu hoje receber um telefonema dela não seria estranho.


-Diz.


Claro que não é a Teresa. Isso seria bom demais.


-Meu, não vais mesmo à festa?


-Para quê? Para gozarem com a minha cara?


-Tens o número da Teresa há mais de seis meses e nunca a convidaste para sair. Se não fores hoje à festa…. Achas mesmo que lhe vais telefonar durante o Verão?


Apertei o telemóvel na minha mão.


Não percebes… se a Teresa me rejeitar eu…


-‘Tou? ‘TOU??? 'Tás aí?


-‘Tou...

-Meu, não sejas um coninhas e vem. Se a Teresa namorou com aquele cromo do Francisco, de certeza que tens uma oportunidade.


Não sabia se me devia sentir irritado ou lisonjeado.


-Bem, se não vieres, tu é que perdes. A Teresa também não vai ficar à tua espera para sempre e sabes que ela tem paletes atrás dela.


Os meus dentes rangeram uns nos outros. Só de imaginar Teresa com outro homem que não fosse eu dava-me a volta ao estômago.


-Está bem. Manda a morada.


-Boa!!!Assim é que é! - ouvi o Carlos a berrar algo indistinto a alguém - E não bebas, ok? Preciso de ti sóbrio para guiares.


Já devia saber que esta chamada não tinha sido feita por preocupação comigo…

Bem, melhor dizendo, não só por preocupação.


Desliguei a chamada e nem dois minutos depois recebi uma mensagem com a morada da festa e as horas a que começava.




-Va lá, sorri!


-Deixa-a Carolina. Depois do que se passou hoje, ela ter vindo à festa é uma sorte.


A expressão da Raquel subitamente mudando de enjoada para Miss sorriso para cumprimentar alguns convidados divertia-me. Infelizmente, o primeiro par de pessoas que parou para saudar a anfitriã rapidamente se multiplicou e, de repente, estávamos rodeadas por mais de uma dezena de pessoas.


Falei bem com quem apareceu e tolerei as pessoas que não gosto, mas mal alguém mencionou o Francisco e o festival retirei-me. A última coisa que quero ouvir é o nome daquele idiota.


Ao som da música, que voava pelo ar num trilho vindo das colunas gigantescas nas redondezas da piscina, as pessoas pulavam e dançavam. As festas da Raquel são famosas e, como sempre, a casa dos seus pais estava apinhada de gente.

Pais ricos que nunca estão por perto.


Olhei para a Raquel ao longe, de braço enleado com o Zeca.


Suponho que tenha as suas vantagens…


Pensei no sorriso da minha mãe, sempre coroado pelas suas olheiras fundas depois de um turno no hospital e nos abraços apertados do meu pai vestido no seu uniforme militar.


Mas não trocaria essas vantagens pela presença dos meus pais.


-Temos a melhor madrinha de sempre, não achas?


A Carolina abraçou-me por detrás e eu perdi o equilíbrio. Mas, em vez de cair, fui apoiada por um par de mãos largas e fortes.


Devagarinho, olhei para cima e, ali, para minha surpresa, vi o João a sorrir calorosamente.


-Cuidado.


Senti-me a corar. Fora apanhada de surpresa. Ele tinha dito que não vinha.


- João…. Pensava que não vinhas à festa.


Mas aqui estava ele, a ajudar-me mais uma vez.


Tal como naquele dia.


Uma coisa era ouvir dizer que o nosso namorado nos traiu, outra coisa é ver a traição à nossa frente. A cereja no topo do bolo é a atrocidade de passar-se numa festa, em que eu e Francisco fomos juntos.


E quando a traição me rasgou o coração, fazendo-me chorar desconsoladamente, foi o João que me acudiu. Ali sozinha e de maquilhagem arruinada, somente ele me encontrou nos recônditos de um quarto escuro, utilizado como um armário para se guardarem os casacos.


Quando os olhos dele se cruzaram com os meus naquela noite, ele não disse nada. Em vez disso, sentou-se no chão ao meu lado, pacientemente ouvindo as minhas queixas até as lágrimas não derramarem mais e eu querer voltar para casa.


Cavalheiro, como sempre, ausentou-se apenas para retornar com um maço de lenços e a Carolina, para ela me levar para casa.


Esse foi o dia que o gravou no meu coração. E, a partir daí, como dois ímanes, sempre nos encontráramos um ao outro, mesmo quando imersos num mar de gente.


- Teresaaa! O João sempre veio, não estás contente?


A voz estridente de Carolina trouxe-me de volta ao presente.


Virei-me para trás e deparei-me com ela extremamente sorridente e de olhar embaciado.


Já estás um bocado bêbada…


-Sim... Carolina e se fôssemos até ali beber um copo de água?


A Carolina fez beicinho e mostrou a língua.


-Água? Eu quero é cerveja.


Troquei olhares com o João que abanou a cabeça.


Num ápice, Carolina desprendeu-se de mim, caminhando e dançando até à mesa onde estavam as bebidas. Preocupada, seguia-a e, o João a mim, como se da minha sombra se tratasse.


-Vais ter de cuidar dela a noite toda…


Senti algum desagrado na sua voz e não gostei.


-Tens a certeza que devias estar aqui? Pensava que estavas mal das costas.


O João soltou uma gargalhada, mas não soava alegre.


- Vim até à festa de uma pessoa que não gosto e com uma dor de costas atroz. E mesmo assim, estou aqui… Porque será?


As últimas palavras foram sussurradas junto ao meu ouvido, doces e intoxicantes. Senti todo o meu corpo tremer e o palpitar desenfreado do meu coração.


-Não sei…


Mordisquei o lábio.


Um riso divertido, apareceu vindo das suas profundezas, fazendo cócegas na minha orelha.


-Não sabes ou finges não saber?


Queria responder-lhe, mas a voz ficou presa na minha garganta. A sua respiração tão perto da minha cara deixou-me a mente em branco.


-Olha para ali.


Uma das suas mãos apertou o meu ombro e, a outra, apontou em frente. Seguindo o seu dedo, vi o Carlos numa conversa animada com a Carolina.


-Acho que a podes deixar sozinha alguns minutos.


-Sim…? Não… é melhor ficar com ela.


- Estás preocupada com o Carlos?


Não quis dizer que sim. Sabia que eles eram amigos. Claro, eu também estava no mesmo grupo que o Carlos, mas raramente falava com ele em privado. E das vezes que saímos todos juntos, o Carlos era o primeiro a falar de engates e de mulheres como se fossem objetos.


-Espera aqui… já volto.


A minha sombra deixou-me, movendo-se por entre as pessoas até alcançar o Carlos e a Carolina. Especada no lugar, esperei ali por ele, tal como me pedira.




-Carlos, chega aqui.


O Carlos virou-se para mim e, pela cara dele, percebi logo que ainda não tinha bebido quase nada… e mesmo que tivesse, bem… nunca tinha visto ninguém com uma tolerância ao álcool tão grande como ele.


-João, my man sempre vieste!


Apertamos a mão e demos um abraço. Foquei a minha atenção na Carolina. Se lhe acontecesse alguma coisa… a Teresa nunca me perdoaria.


-Decidi dar-te ouvidos. Olha ali.


Apontei para o lado, na direção de Teresa e, Carlos, vendo-a ali à minha espera sorriu de orelha a orelha.


-Então e do que estás à espera?! Vai-te a ela!


-Preciso que me faças um favor. - apertei os seus ombros e fixei o meu olhar no seu - Cuida da Carolina enquanto falo com a Teresa. E quando digo cuida… não a deixes beber mais e nada de pôr as mãos nela ou perdê-la de vista.


-Meu, por quem me tomas? Eu sou um cavalheiro.


-Eu já reparei na maneira como olhas para a Carolina…


Retirando as minhas mãos dos seus ombros, o Carlos soterrou os seus olhos castanhos claros sob as suas sobrancelhas.


-Ok, já percebi. Mas a sério, não ia fazer isso à Carol… ela não é uma gaja qualquer.


Pois, não fazes a ela, mas fizeste a outras.


-Obrigado, fico a dever-te uma.


Dei de costas e deixei o Carlos para trás, aliviado. Sabia que podia confiar nele quando lhe pedia alguma coisa.


Tal uma boneca de porcelana, Teresa mantinha-se parada, enrolando o seu cabelo castanho escuro nos seus dedos. Um inevitável sorriso emergiu nos meus lábios.


-Já está tudo tratado. Podes confiar no Carlos, ele toma conta da Carolina por algum tempo.


-A sério?


Vi-a a espreitar a para além de mim, a sua atenção dividida entre mim e a sua amiga.


-Teresa… - o meu tom de voz era firme e ela não pôde senão focar-se em mim -Não vai acontecer nada, acredita em mim.


Teresa assentiu e foi um esforço evitar que o meu sorriso crescesse ainda mais.


-Que tal irmos até um sítio mais sossegado?


Mesmo na coberta da noite, o rosa que tingia as bochechas de Teresa via-se claramente sob a parca luminosidade das lâmpadas temporárias.


Adorável…


Queria abraçá-la ali mesmo, apertá-la nos meus braços e não a deixar ir nunca mais. Mas, não podia. Tinha de me controlar.


Enfiei ambas as mãos nos bolsos frontais das calças de ganga e disse-lhe para me seguir. Caminhando lado a lado, os dois deixados mudos pela vergonha, deixámos o centro da festa para trás. À medida que nos afastávamo-nos, mais escuro os nossos arredores se viam, a lua cheia, lentamente, tornando-se a nossa única fonte de luz.


Perfeito.


Sentei-me num banco de granito, oposto a um outro igual a este, colocado nos limites do terreno da casa dos pais de Raquel. As árvores adensadas, plantadas nas costas do banco forneciam um aroma citrino, perfumando o local agradavelmente.

Ao contrário do que desejava, Teresa sentou-se no banco à minha frente e não ao meu lado.


Durante alguns minutos continuámos calados. Até agora, as coisas tinham corrido bem, mas tinha medo de dar um passo em falso e afastá-la.


-João.


Engoli em seco quando ouvi o meu nome a sair da sua boca, a sua voz soava mais doce do que o habitual.


-Posso perguntar porque é que mudaste de ideias e vieste à festa?


-Porque é que achas que vim?


A Teresa riu-se. Circulamos de volta à mesma pergunta e percebi o que ela queria ouvir.


Parece que as minhas chances são melhores do que pensava.


-Vim por tua causa, Teresa.


Notei que os seus dedos começaram a brincar nervosamente com a bainha da sua t-shirt.


-Por minha causa? E porquê?


É agora ou nunca.


Levantei-me e caminhei até ao seu banco, sentando-me bem perto dela. Notei que Teresa não rejeitou o que fiz e isso deixou-me ainda mais seguro.


Bem, se ela me rejeitar, tenho o Verão inteiro para recuperar.




Mal vi o João levantar-se prendeu-se-me a respiração, caminhava na minha direção, sorridente e confiante. Sentara-se tão perto de mim que a cada inspiração sentia a fragrância da sua água de colónia.


-Então, não sabes a resposta? Queres que te ajude?


A sua voz soava perigosamente sedutora e o meu corpo estremeceu a cada palavra.


-Porque… queres… porque… gostas…


Queria bater em mim mesma, parecia uma parva, nem conseguia falar.


-Então, continua. Estou à espera.


João!!! Afinal és este tipo de pessoa! Sádico!


Estava com tanto calor que até as orelhas “ferviam”, e, sem me aperceber, o João tinha deslizado para ainda mais próximo de mim. O seu antebraço e coxa colados aos meus. Se já estava com dificuldades em formar uma frase há alguns minutos, agora era-me impossível.


-Vá, eu sou simpático…. Por isso vou ajudar-te.


Pousou o seu queixo no meu ombro e senti como que um choque a percorrer-me de alto abaixo.


-Porque te quero Teresa… não consigo parar de pensar em ti dia e noite. Se não te posso ter, acho que fico louco.


O meu coração começou a bater a mil. Apertei as minhas mãos uma na outra, o suor abundava nestas escorregadias e quentes.


-Eu… eu também sinto o mesmo…


Mal respondi, riu-se baixinho, a vibração do seu riso reverberando contra o meu corpo sentia-se tão bem que quase lhe pedi para se rir outra vez.


Retirou o queixo do meu ombro e pousou uma das mãos nas minhas e, a outra, pousou levemente no meu queixo, gentilmente virando a minha cara na sua direção.


-Teresa. Eu quero que leves isto a sério. Se começarmos a namorar é para ficarmos juntos o resto da nossa vida. Para mim, és a única mulher que quero ao meu lado, até ao resto dos meus dias.


Mas que declaração! Mais parece uma proposta de casamento!!


O que ele disse foi como um abanão e toda a tensão e nervosismo que retinha no meu corpo desvaneceram. A sua expressão calma mostrava que estava a ser sincero.


-Não devias dizer isso… nós não nos conhecemos assim tão bem para saber se queremos passar o resto da vida juntos. Devíamos levar as coisas um passo de cada vez.


-Não. Eu sei perfeitamente o que quero, sempre soube. Quando quero algo nada me faz mudar de ideias. -retirou a mão da minha face - Teresa. Eu nunca te vou fazer o que o Francisco te fez. E prometo-te, aqui e agora, que vais ser sempre a primeira e a única no meu coração.


Sentia-me confusa…e dividida. Por um lado, as suas declarações eram excitantes e todo o meu ser vibrava de entusiasmo. Por outro, a ideia de ele quebrar a sua promessa ou de eu nunca gostar tanto dele como ele parecia gostar de mim assustava-me.


-Ok… então e se começarmos a namorar… e tu fores sempre fiel, como pessoa e nas tuas promessas. Mas eu… quiser deixar-te?


Afinal, depois do que aconteceu com o Francisco, prometi a mim mesma que jamais ficaria presa a alguém que não me respeitasse a mim e às minhas prioridades. Ainda havia tanta coisa que queria fazer, viajar pelo mundo e estagiar noutros países… até que ponto é que uma relação iniciada agora sobreviveria a tudo isso?


-Eu não te pedi para mudares ou pensares como eu. Não estou apaixonado por mim mesmo, mas por ti e pela pessoa que és. Se quiseres partir, então parte. Vive livre Teresa.


Apaixonado?! Estás a dar cabo de mim João!!


-Ok… não te esqueças do que disseste…


Segurei na sua mão e, reparei, que como a minha estava quente e suada… isso fez-me sorrir.



Mal podia acreditar nas coisas que estava a balbuciar. Não era minha intenção fazer uma grande declaração de amor aqui, queria ter sido breve e, bem, confiante. Mas as palavras saíam de mim sem entraves. Julgava ser alguém mais racional, do que emocional. Parecia estar errado acerca de mim mesmo.


Não sei como é que ela ainda não fugiu.


Quando a Teresa segurou na minha mão, percebi… percebi porque disse tudo aquilo.


Nunca mais quero largar a mão dela.


Inclinei-me para a frente, os meus lábios meros centímetros dos dela.

-Posso…beijar-te?


Mas em vez de me responder, beijou-me ela. Os seus lábios como veludo pressionaram-se contra os meus e senti borboletas no estômago. A cada beijo, sentia-me a derreter nela, deixando-me a desejar mais. Queria senti-la ainda mais intensamente. Agarrei na sua nuca com uma das minhas mãos, e na sua anca com a outra, puxando-a para mais perto, aprofundando ainda mais os nossos beijos.


Por mim, pararia este momento para sempre e ficaria aqui, esquecendo o mundo e tudo o resto.


A Teresa afastou-se, inspirando por ar e encostou a sua testa na minha.


-Agora é oficial, suponho.


Sorri às suas palavras e beijei a sua testa.


A partir de agora, faria de tudo para mantê-la, abrir mão dela era impensável. Seria o melhor homem que posso ser e dar-lhe-ia tudo o que ela merece.


Enlacei as minhas mãos nas dela e beija-a mais uma vez, brevemente.


-Sim… estás encalhada comigo.


Hoje, amanhã e todos os dias a seguir…



 

Obrigada por leres a short story "João e Teresa, como tudo começou..." os protagonistas do livro "Até Amanhã".

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Esta short story não é representativa do contéudo, temas e estilo de prosa do livro "Até Amanhã".

 

Copyright © 2023 Susana Paixão Rodrigues


Todos os direitos estão reservados e protegidos por lei. Nenhuma parte desta história e texto "João e Teresa, como tudo começou... (Parte I)",poderá ser reproduzida ou transmitida sob qualquer formato ou plataforma, em excepção de autorização prévia escrita e assinada por Susana Paixão Rodrigues.

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2 Comments

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Guest
Jul 20, 2023
Rated 5 out of 5 stars.

Era fixe se publicasses, preferia ler no papel

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Guest
Jul 17, 2023
Rated 5 out of 5 stars.

Li as partes todas,mas voltei para ler tudo. Muito mais fluído ler desta forma. Estou à espera da próxima história!

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