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Foto do escritorSusana Paixão Rodrigues

João e Teresa, como tudo começou... (Parte 4)






Guiar até casa não foi doloroso. O que mais me custou foi entrar e sair do carro. As costas doíam a cada movimento, especialmente quando me dobrava.


Hoje foi um dos piores dias da minha vida. Humilhado à frente de toda a gente e pior, à frente de Teresa. Agora esperava esperançosamente que ninguém tivesse filmado e publicado na internet o que aconteceu.


Ao menos hoje foi o último dia de faculdade… semana que vem, começam as férias.


Era tempo suficiente, esperava eu, para que quem quer que tivesse assistido ao espetáculo se esquecesse dele.


A água quente do duche rolava agradavelmente pelo meu corpo abaixo. As costas latejavam, mas depois de um duche e uma soneca devia sentir-me melhor.

Perguntava-me se Teresa gostava de homens como o Francisco. Mais ursos do que outra coisa. Eu sempre gostei de desporto, correr o meu preferido, e, por causa disso, estava em forma.


Mas, não estou inchado como o Francisco.


Estudei os meus músculos no espelho. Notava-se que fazia exercício. Os músculos nos braços ressaltavam um pouco, os peitorais estavam definidos e os abdominais…


Quatro estão realçados.... Aposto que o Francisco tem oito ou mais.


Joguei a toalha para o chão e nem me dei ao trabalho de vestir uns boxers. O Carlos e o Zeca só deviam voltar amanhã e o Patinho já tinha regressado ao Algarve.


Deitei-me na cama e comecei a fazer abdominais. A dor nas costas motivava-me a persistir e, a cada alcance dos meus cotovelos nos joelhos elevados, expirava a dor por entre dentes cerrados. O banho depressa perdeu a utilidade, o meu corpo fervente suava a cada novo dobrar do estômago.


Ainda assim, não desisti. Tinha em mente cem abdominais, nada anormal, mas hoje esta quantia somava-se exagerada. Talvez até ridícula.


Quanto mais a dor de costas aumentava, mais me forçava em cumprir o exercício. Um a um, com pausas pelo meio, completei os cem abdominais. Deixei-me afundar no colchão. O suor sentia-se refrescante na minha pele e a dor era uma prova.


Eu também posso ser forte.


O telemóvel começou a tocar e num ápice rolei para fora da cama para atender a chamada.


Será que é a Teresa?


Nunca me tinha telefonado antes, só tínhamos trocado uma mensagem aqui, outra ali, mas depois do que aconteceu hoje receber um telefonema dela não seria estranho.


-Diz.


Claro que não é a Teresa. Isso seria bom demais.


-Meu, não vais mesmo à festa?


-Para quê? Para gozarem com a minha cara?


-Tens o número da Teresa há mais de seis meses e nunca a convidaste para sair. Se não fores hoje à festa…. Achas mesmo que lhe vais telefonar durante o Verão?


Apertei o telemóvel na minha mão.


Não percebes… se a Teresa me rejeitar eu…


-‘Tou? ‘TOU??? 'Tás aí?


-‘Tou...

-Meu, não sejas um coninhas e vem. Se a Teresa namorou com aquele cromo do Francisco, de certeza que tens uma oportunidade.


Não sabia se me devia sentir irritado ou lisonjeado.


-Bem, se não vieres, tu é que perdes. A Teresa também não vai ficar à tua espera para sempre e sabes que ela tem paletes atrás dela.


Os meus dentes rangeram uns nos outros. Só de imaginar Teresa com outro homem que não fosse eu dava-me a volta ao estômago.


-Está bem. Manda a morada.


-Boa!!!Assim é que é! - ouvi o Carlos a berrar algo indistinto a alguém - E não bebas, ok? Preciso de ti sóbrio para guiares.


Já devia saber que esta chamada não tinha sido feita por preocupação comigo…

Bem, melhor dizendo, não só por preocupação.


Desliguei a chamada e nem dois minutos depois recebi uma mensagem com a morada da festa e as horas a que começava.




-Va lá, sorri!


-Deixa-a Carolina. Depois do que se passou hoje, ela ter vindo à festa é uma sorte.


A expressão da Raquel subitamente mudando de enjoada para Miss sorriso para cumprimentar alguns convidados divertia-me. Infelizmente, o primeiro par de pessoas que parou para saudar a anfitriã rapidamente se multiplicou e, de repente, estávamos rodeadas por mais de uma dezena de pessoas.


Falei bem com quem apareceu e tolerei as pessoas que não gosto, mas mal alguém mencionou o Francisco e o festival retirei-me. A última coisa que quero ouvir é o nome daquele idiota.


Ao som da música, que voava pelo ar num trilho vindo das colunas gigantescas nas redondezas da piscina, as pessoas pulavam e dançavam. As festas da Raquel são famosas e, como sempre, a casa dos seus pais estava apinhada de gente.

Pais ricos que nunca estão por perto.


Olhei para a Raquel ao longe, de braço enleado com o Zeca.


Suponho que tenha as suas vantagens…


Pensei no sorriso da minha mãe, sempre coroado pelas suas olheiras fundas depois de um turno no hospital e nos abraços apertados do meu pai vestido no seu uniforme militar.


Mas não trocaria essas vantagens pela presença dos meus pais.


-Temos a melhor madrinha de sempre, não achas?


A Carolina abraçou-me por detrás e eu perdi o equilíbrio. Mas, em vez de cair, fui apoiada por um par de mãos largas e fortes.


Devagarinho, olhei para cima e, ali, para minha surpresa, vi o João a sorrir calorosamente.


-Cuidado.


Senti-me a corar. Fora apanhada de surpresa. Ele tinha dito que não vinha.


- João…. Pensava que não vinhas à festa.


Mas aqui estava ele, a ajudar-me mais uma vez.


Tal como naquele dia.


Uma coisa era ouvir dizer que o nosso namorado nos traiu, outra coisa é ver a traição à nossa frente. A cereja no topo do bolo é a atrocidade de passar-se numa festa, em que eu e Francisco fomos juntos.


E quando a traição me rasgou o coração, fazendo-me chorar desconsoladamente, foi o João que me acudiu. Ali sozinha e de maquilhagem arruinada, somente ele me encontrou nos recônditos de um quarto escuro, utilizado como um armário para se guardarem os casacos.


Quando os olhos dele se cruzaram com os meus naquela noite, ele não disse nada. Em vez disso, sentou-se no chão ao meu lado, pacientemente ouvindo as minhas queixas até as lágrimas não derramarem mais e eu querer voltar para casa.


Cavalheiro, como sempre, ausentou-se apenas para retornar com um maço de lenços e a Carolina, para ela me levar para casa.


Esse foi o dia que o gravou no meu coração. E, a partir daí, como dois ímanes, sempre nos encontráramos um ao outro, mesmo quando imersos num mar de gente.


- Teresaaa! O João sempre veio, não estás contente?


A voz estridente de Carolina trouxe-me de volta ao presente.


Virei-me para trás e deparei-me com ela extremamente sorridente e de olhar embaciado.


Já estás um bocado bêbada…


-Sim... Carolina e se fôssemos até ali beber um copo de água?


A Carolina fez beicinho e mostrou a língua.


-Água? Eu quero é cerveja.


Troquei olhares com o João que abanou a cabeça.


Num ápice, Carolina desprendeu-se de mim, caminhando e dançando até à mesa onde estavam as bebidas. Preocupada, seguia-a e, o João a mim, como se da minha sombra se tratasse.


-Vais ter de cuidar dela a noite toda…


Senti algum desagrado na sua voz e não gostei.


-Tens a certeza que devias estar aqui? Pensava que estavas mal das costas.


O João soltou uma gargalhada, mas não soava alegre.


- Vim até à festa de uma pessoa que não gosto e com uma dor de costas atroz. E mesmo assim, estou aqui… Porque será?


As últimas palavras foram sussurradas junto ao meu ouvido, doces e intoxicantes. Senti todo o meu corpo tremer e o palpitar desenfreado do meu coração.


-Não sei…


Mordisquei o lábio.


Um riso divertido, apareceu vindo das suas profundezas, fazendo cócegas na minha orelha.


-Não sabes ou finges não saber?


Queria responder-lhe, mas a voz ficou presa na minha garganta. A sua respiração tão perto da minha cara deixou-me a mente em branco.


-Olha para ali.


Uma das suas mãos apertou o meu ombro e, a outra, apontou em frente. Seguindo o seu dedo, vi o Carlos numa conversa animada com a Carolina.


-Acho que a podes deixar sozinha alguns minutos.


-Sim…? Não… é melhor ficar com ela.


- Estás preocupada com o Carlos?


Não quis dizer que sim. Sabia que eles eram amigos. Claro, eu também estava no mesmo grupo que o Carlos, mas raramente falava com ele em privado. E das vezes que saímos todos juntos, o Carlos era o primeiro a falar de engates e de mulheres como se fossem objetos.


-Espera aqui… já volto.


A minha sombra deixou-me, movendo-se por entre as pessoas até alcançar o Carlos e a Carolina. Especada no lugar, esperei ali por ele, tal como me pedira.



 

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Esta short story não é representativa do contéudo, temas e estilo de prosa do livro "Até Amanhã".

 

Copyright © 2023 Susana Paixão Rodrigues


Todos os direitos estão reservados e protegidos por lei. Nenhuma parte desta história e texto "João e Teresa, como tudo começou... (Parte I)",poderá ser reproduzida ou transmitida sob qualquer formato ou plataforma, em excepção de autorização prévia escrita e assinada por Susana Paixão Rodrigues.


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2 Comments

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Guest
Feb 21, 2023
Rated 5 out of 5 stars.

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Guest
Feb 18, 2023
Rated 5 out of 5 stars.

Joao tornouse num borrachao, adoro!

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