(POV João)
O tremor nervoso da minha perna notava-se mais do que o suor que sabia estar a acumular-se nas minhas axilas.
Impossível, mais vale desistir.
Quase de certeza que me ia rejeitar, talvez rir-se, ou pior, mandar-me dar uma volta.
Afinal, ela é linda.
Hoje, não consigo tirar os meus olhos dela. Vestida naquelas calças de ganga justas e t-shirt dos Guns n’ Roses que lhe deixa o umbigo à mostra quando põe os braços no ar… E quando sorri… quando sorri todos os outros tornam-se personagens de fundo e os berros dos fãs tresloucados reduzidos a um burburinho... onde ela sobressai clara e vibrantemente.
Mas mais que linda, ela é de uma outra liga.
Nunca conheci ninguém como ela.
Quantas pessoas dão a volta ao mundo, pós escola secundária, com uma organização não governamental para ajudar crianças? Quantas pessoas têm um propósito tão claro na vida e lutam por ele? Quantas pessoas derramam generosidade como ela?
Linda… extraordinária… bondosa… Não haviam adjetivos suficientes para dar à Teresa. Em comparação a mim, ela…
-João!
O Carlos trancou o meu pescoço entre antebraço e o ombro dele. O gesto brusco fazendo a cerveja que eu tinha na mão derramar-se e cair diretamente nos meus ténis.
-A sério?! Pensa duas vezes antes de fazer estas cenas!
Sentia-me irritado, mas nunca pensei que a minha voz subisse tanto que até a Teresa me ouvira entre os gritos dos groupies. Teresa voltou-se para trás, e, em vez de me ignorar ou fazer uma careta, encolheu os ombros e sorriu. Os meus lábios esticaram num sorriso, mas as bochechas ardiam.
Que vergonha.
-Meu, gostas da Teresa?! - O Carlos deu-me uma palmada no ombro - Esquece lá isso, ela é a caloira mais gira da faculdade.
- E depois? – estudei os meus ténis ensopados, desgostoso, - Isso não me impede de tentar.
- Ya, tentar e falhar!
Numa gargalhada exagerada, Carlos continuou a bater-me no ombro. Não sabia falar sem tocar nos outros, e hoje, eu não tinha paciência para as manias dele.
-Falaste com a Raquel?
Perguntei antes de beber o resto da cerveja. Sem espuma, morta e lisa.
-Sobre o quê? A festa hoje à noite?
- Sim.
-Ah… agora já percebi porque é que queres ir à festa da Raquel… - debruçando-se em mim, praticamente deitado nas minhas costas, Carlos sussurrou aos meus ouvidos -Mas ouvi dizer que o Francisco também vai lá estar.
Apertei o copo de plástico praticamente vazio, até que este estalou e se partiu na minha mão. A cerveja escorria-me pelos dedos, deixando-os pegajosos.
Atualmente, o Francisco já podia ser considerado um stalker. Onde quer que Teresa fosse, lá estava o Francisco. Ele não percebia o que terminar uma relação significava. No início do ano, ele e Teresa eram inseparáveis, mas esse passado e a persistência dele nos últimos tempos não eram suficiente para conquistá-la de volta. Não quando ele a traiu com outra.
-A Teresa não vai voltar para ele.
-Tens a certeza? A minha prima disse-me que se calhar volta a dar molho.
Atirei o copo de plástico para o chão e fui-me embora. Estava farto de palhaços como o Carlos e o Francisco. Queria lá saber se a Raquel não gostava de mim porque não a deixei copiar no exame e me recusei a ajudá-la no projeto final, haviam outras maneiras de saber onde era a festa e a que horas.
(POV Teresa)
Quando voltei a virar-me para trás, ele já se tinha ido embora. Estávamos sempre desencontrados. Às vezes pensava que ele não gostava de mim, mas noutras não tinha tanta certeza. Especialmente quando calhava trocarmos olhares. Parecia que ele conseguia sempre encontrar-me, mesmo numa multidão de gente.
Apesar disso, raramente falava comigo. Certo, não éramos da mesma turma, mas tínhamos um grupo de amigos em comum. Encontrarmo-nos não era incomum, até trocámos os números de telefone. Mas, mesmo assim, o menino preferido dos professores custava a iniciar conversa comigo.
Por isso quando ele me olha daquela maneira…sinto-me confusa.
-Teresa, a Raquel já te respondeu à mensagem?
A Carolina falou-me ao ouvido, mas ouvi-a muito mal com o som da banda a tocar.
- Não… se calhar é melhor telefonar. - Olhei em volta, à procura de um sítio com menos confusão - Vou até ali às bancadas de comida. Ficas bem aqui sozinha?
- Ela não está sozinha!
De repente, o primo da Raquel abraçou-nos a ambas, quase me fazendo perder o equilíbrio.
-Tens ouvidos de cão, tu! - a Carolina berrou na cara do Carlos, -Sabes a que horas é que a Raquel chega?
- Népia. Dá-me aí um trago da tua cerveja Carol.
Mais do que os abraços indesejados, detestava o cheiro cerrado a tabaco que vivia nas roupas do Carlos.
-Ficas bem com ele?
A Carolina revirou os olhos, resignando-se à situação e eu aproveitei para sair dali.
Deslizei pela onda de gente, afastando o mais delicadamente possível aqueles que me rejeitavam passagem. Mas a banda não me queria facilitar a vida, e, precisamente quando estava entalada entre dois grupos, tocaram a música mais popular que tinham. Em êxtase, os grupos pulavam simultaneamente, na descida, os seus pés caiam como martelos prontos para me pregar ao chão. Sempre que me desviava de uma pisadela, um peito suado chocava contra mim. Sentia-me como uma bola de ping pong, atirada de um lado para o outro sem descanso.
Do nada, uma mão forte e segura apertou-me o pulso, puxando-me para fora da prisão de corpos humanos.
-Deixem passar! Não veem que ela não está bem?!
Procurei a cara de quem falara e vislumbrei-o.
João…
Protegendo-me agora com o seu corpo, João levou-me consigo para longe da confusão.
-Obrigada…
Não falou, focado apenas em nos afastar dali, cortando caminho pela multidão agitada.
O meu coração apertou.
Encontras-me sempre…
∞
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Esta short story não é representativa do contéudo, temas e estilo de prosa do livro "Até Amanhã".
Copyright © 2023 Susana Paixão Rodrigues
Todos os direitos estão reservados e protegidos por lei. Nenhuma parte desta história e texto "João e Teresa, como tudo começou... (Parte I)",poderá ser reproduzida ou transmitida sob qualquer formato ou plataforma, em excepção de autorização prévia escrita e assinada por Susana Paixão Rodrigues.
Óptima leitura para quem leu o livro, saber como se conheceram mais jovens e tão apaixonados com a vida pela frente,
Leiam é muito bom.
Estou a gostar e curiosa para ler o resto😃
👍