(POV João)
O corpo de Teresa estava praticamente colado ao meu, o calor da sua pele radiando em mim, e os seus grandes olhos de pestanas longas… Não podia olhar para ela. Tinha de me distrair. Concentrar-me num objetivo.
Temos de sair daqui.
O meu coração batia a mil. O sangue nas minhas veias galopava, deixando um formigueiro no seu rastro. Como é que o Francisco podia ter traído alguém como a Teresa?!
É doido. Só pode.
Quase no fim do relvado, traguei em seco. Praticamente em segurança, não fazia sentido continuar com Teresa entre os meus braços.
Tenho mesmo de criar coragem e dizer-lhe como me sinto…
À medida que nos aproximávamos da zona das bancadas de comida e bebidas, o número de pessoas reduzia e, a maioria, simplesmente abanava a cabeça ao ritmo da música.
-Bem…- libertei-a do meu abraço - Já chegamos. Querias vir até aqui, certo?
Teresa sorriu e senti o calor a subir à minha face.
-Sim… obrigada! Se não fosses tu acho que me tinha tornado numa panqueca!
Ri-me.
- Eu gosto de panquecas.
Os olhos de Teresa aumentaram ao ouvir o meu comentário.
E é por causa destas e outras que prefiro ficar calado.
-Eu também gosto de panquecas, mas prefiro comê-las.
Teresa riu-se baixinho.
Teresa és tão…
-Teresa!
Uma voz vagamente familiar chamou à distância. Sondei pelo idiota que arruinou o nosso momento e não me surpreendi nada quando vi quem era.
-Francisco. - O sorriso desapareceu do rosto de Teresa - Não te disse para não falares mais comigo?
Raquel… estás tão enganada.
Premi os lábios um contra o outro, numa tentativa de controlar a minha vontade emergente de sorrir.
-Precisas de falar assim comigo?
Ah! Que piada, ficou chateado.
Examinei o Francisco. Ele não era um tipo mal parecido e agora, que o estava a ver tão de perto, entendia porque é que tantas raparigas suspiravam ao avistá-lo. Ele devia ir ao ginásio diariamente, porque os bíceps e peitorais dele quase que estouravam a camisa de manga curta que vestia.
-Falar como? - Teresa endireitou-se e cruzou os braços - Não me respeitas. Pedi-te algo e não o cumpres. Ao menos, depois de tudo o que passámos, podias ter alguma consideração por mim e respeitar os meus desejos.
O Francisco olhou para mim de alto abaixo. Eu não era um homem baixo, até se podia dizer que era mais alto do que o português médio, mas o bisonte que era o Francisco deixava-me desconfortável. Se tivéssemos de lutar, penso que perderia. E a ideia não me agradava nada.
-Podemos conversar noutro sítio? Sozinhos?
O Francisco agarrou na mão da Teresa e, prontamente, ela retirou a sua mão da dele. O trejeito do rosto dela claramente expressava repreensão e nojo.
-Acho que ela não quer falar contigo e, muito menos, seguir-te para algum lado.
Desprendendo o seu olhar fixo em Teresa, Francisco virou-se para mim, a sua postura aberta e quadrada centrada na minha pessoa.
Pronto, lá vamos nós…
-E tu és quem…? - o Francisco deu um passo na minha direção - Faz-nos um favor e baza.
-Recuso-me a deixar a Teresa aqui sozinha contigo.
As narinas de Francisco expandiram. Deu um passo na minha direção, um passo tão largo que a cabeça dele ficou a um palmo da minha. Estava tão próximo que conseguia cheirar o seu bafo a álcool tão bem que sabia o que ele tinha bebido.
-Francisco, pára!
Teresa via-se pálida, os seus olhos arregalados assemelhavam-se aos de um veado prestes a ser atropelado por um carro.
Não era a primeira vez que isto acontecia. Teresa sabia o que aí vinha.
E agora, eu também.
Se calhar tenho uma chance… se enfiar os dedos nos olhos dele? Ou um murro no nariz? Talvez um punho cerrado vindo de baixo e direito ao queixo faça o truque.
Mas antes de poder elaborar algum plano, Francisco agarrou-me pelo colarinho e a cintura das calças e elevou-me acima da sua cabeça, como se eu não fosse mais do que um boneco de trapos. Num instante, arremessou-me com toda a força de encontro ao relvado. Cai de costas contra o chão e um esgar escapou-se da minha boca. A dor alastrava-se pelas costas e, por momentos, senti que não conseguia respirar.
Alguém, um desconhecido, ajudou-me a levantar, e, sentado, vi a Teresa agarrada ao braço de Francisco, entre lágrimas, propondo-lhe conversarem em privado.
Não precisas… não precisas de me proteger, Teresa.
-É só isso? Com esse tamanho todo e bates como uma menina.
Até falar me doía, mas pôs-me de pé e falei o mais alto que consegui.
Uma nova fúria tomou conta de Francisco. Pegando no braço de Teresa, desagarrou-a dele e marchou apressadamente até mim. Observei Teresa, ansiosamente a escrever algo no telemóvel. As pessoas à nossa volta mantiveram-se imóveis, provavelmente atentas à cena de ação a desenrolar-se à sua frente tal filme de cinema. Mas, algumas, notei, correram para longe de nós. E, uma ou duas, falavam freneticamente ao telemóvel, telefonando por auxílio.
-Estás mesmo a pedi-las.
Francisco lançou o seu braço na minha direção e, miraculosamente, fintei este. Um golpe de sorte, seguido de um tropeço nos meus próprios pés. Cai na relva, tornando-me na presa ideal para o Francisco, que, tal como se eu fosse uma formiga, levantou a perna para me pisar debaixo do seu peso. Com reflexos que não sabia ter, rebolei para o lado, mesmo a tempo de me salvar.
-Covarde!
Melhor covarde do que hospitalizado.
Tentei levantar-me, mas cambaleei quando a dor de costas me reclamou.
Acelerando o passo, Francisco levantou a perna mais uma vez, pronto para me atingir. Fechei os olhos e bloqueei a cara com os braços. Mas, o pontapé nunca chegou.
Um Francisco frenético recitou todos os palavrões que conhecia, preso por dois seguranças, um em cada lado.
-João, estás bem?!
Teresa ajoelhou-se ao meu lado, os seus olhos vermelhos.
-Estou bem.
Fisicamente.
-Mal posso acreditar que o Francisco te atacou! - A voz de Teresa ameaçava novas lágrimas. - E tudo por causa de mim. Desculpa, João…
-A culpa não é tua. - Tentei sorrir - E tu, estás bem?
As faces de Teresa tingiram-se de rosa e num tom baixinho respondeu-me que sim.
∞
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Esta short story não é representativa do contéudo, temas e estilo de prosa do livro "Até Amanhã".
Copyright © 2023 Susana Paixão Rodrigues
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Estou a gostar muito.
Depois de ler o livro o qual apreciei muito tanto na escrita como na historia e seu desenvolvimento é agradável ler o inicio da sua vida juntos.
Bem hajas continua a escrever.
Quando é que sai mais?